Caboclo Boiadeiro Jango - História de Vida I


Em minha passagem e andanças por esta terra de Nosso Senhor do Bonfim, pude lembrar de minhas vivências indígenas e conectar-me com a natureza. O homem da cidade de pedra, cinzenta, esqueceu-se de Deus, da natureza e dos animais. A natureza e sua criação são obras de arte elaboradas por Deus. Filho de um negro e uma índia, cafuzo me formei e aprendi a arte da cura e dos mistérios da natureza que formam a magia sertaneja. O povo latino-americano lembra-se muito da magia salomônica, da magia europeia, da magia do oriente mas se esquece da magia indígena originária da população original destas terras.
Pois bem, em vida fui curandeiro e o que hoje chamam de "beato", um sábio do sertão nordestino que profetizava o que iria acontecer. Dizia que o sertão ia virar mar e o mar ia virar sertão e foi o que aconteceu. Hoje meus restos mortais estão submersos pela obra da tecnologia humana, onde a construção da barragem do Rio Sobradinho invadiu aquelas terras onde vivi e morri  e agua cobriu a caatinga inundando a terra seca. As profecias eram frutos da intuição e o mago sertanejo em sua magia sabia ver o futuro.
O que é um oráculo? Tudo é um oráculo e estes foram presentes dos deuses para o homem. Aquele que está em conexão com a natureza e com os animais sabe prever o tempo (climático) e futuro. Olhe para um formigueiro ao domingo e veja pela movimentação das formigas como será a semana. Olhe para os céus e veja nas nuvens a formação de chuva e também a estiagem. O homem sábio é aquele que faz da terra a sua mãe e do céu seu pai.
Vim pra trabalhar e trabalhei na cura. Através de ervas e benzedura muitas moléstias curei e infecções extirpei pelas garrafadas que preparei. O homem não é capaz de curar ninguém mas pode interceder a Deus para que o sofrimento de seu irmão seja diminuído. Existe mão de cura? Sim. Uns vieram para a cura, outros para o aconselhamento, outros para a magia, outros para o ensinamento e alguns perderam-se nas estradas do destino e vagão como peregrino sem destino.
Um dia fui chamado em meu recanto para realizar um trabalho a favor de um moço que havia sido picado por uma cobra. Naquela terra era muito comum cobras corais e esse jovem pisou sem querer numa destas cobras peçonhentas enquanto voltava pra casa. Peguei meu punhado de ervas, uma vela, uma garrafada e montei em meu cavalo. Cheguei ao meu destino e fui de encontro ao rapaz que gemia e chorava de dor e a família me esperava como única solução pois já viam a morte daquele irmão.
Fiz minha reza e minha firmeza, invoquei a Deus todo Poderoso, Criador do Céu e da Terra. Dei um copo da garrafa pro rapaz beber e aquele líquido consagrado o faria desintoxicar. Macerei aquelas ervas e apliquei na picada e pouco depois a dor foi amenizando e o sofrimento daquele irmão diminuindo.
Aprontei-me para retornar ao meu casuá e fui cavalgando em meu cavalo. No caminho esporei meu cavalo para que fosse mais depressa e na experiência da cavalaria o relincho do bicho me derrubou. A queda foi mais profunda que imaginei e ao invés da cair no chão fui parar no poço das santas almas benditas do cruzeiro.
Me levantei com muita dor e sacrifício e uma rocha no chão transpassou meu corpo adentro. Subi em cima de meu cavalo que por um bom motivo se assustou e relinchou a ponto de me derrubar. Fui devagar e como já estava perto de meu terreiro não demorei a chegar. Cheguei e gritei pedindo ajuda. Meus filhos me acudiram e pedi para minha esposa que colocasse um punhado de ervas nas minhas feridas mas não resolveu. Deitei e me despedi de minha flor dos olhos da cor do céu e  de meus filhos, todos os 9 que tive, que viram seu pai morrer em poucas horas debulhando-se com a dor da carne e felicitando-se ao espírito.
No leito de morte via a flor da vida se aproximando e a belezura do espírito me fez esquecer o corpo físico e adentrar ao plano espiritual. Abri os olhos e vi meus antepassados, pajés, índios curandeiros, ao meu redor e estes eram os que me acompanhavam nos trabalhos de cura. 
Terminei uma fase para adentrar outra. Transpassei os caminhos da matéria para trabalhar no mundo dos espíritos. Vi que a morte não era tão feia quanto imaginei e plantei 9 sementes no mundo que tornaram-se árvores e semearam muitas outras sementes, uma destas sementes gerou um filho que hoje é meu companheiro de trabalho espiritual, meu bisneto, este que vos escreve.
Na morte vi a força de minha ancestralidade e a nobreza dos povos indígenas tão menosprezados pela soberba da sociedade. Morri curando o necessitado e hoje atuo na cura onde for chamado. Sou boiadeiro Jango atuante na linha de Iansã e Omolu. Nos hospitais e cemitérios faço morada para meu trabalho e minha proeza. 
A vida não termina na morte, ao contrario disto, a vida humana é dolorosa e a vida do espírito é prazerosa. Vivam suas vidas sufocando a carne e alimentando o espírito. Façam boas obras e plantem boas sementes assim como fiz e receberão do Deus Todo Poderoso, Jesus Cristo e Mãe Maria o bom salário pelo trabalho realizado de coração pois não adianta trabalhar sem amor, sem fé e sem sinceridade. Cure-se e cure o seu irmão, cure seu irmão e se cure. Ame como Nossa Senhora amou seu filho Jesus.

Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima,
Para sempre seja louvado.

Boiadeiro Jango - Canalização de Felipe Barros
13 de Outubro de 2017

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